O game, que não por coincidência antes tinha o nome “Gods and Monsters“, conquista pela arte com cores vivas e pelo bom-humor, o que deixa muito mais natural aprender “de tabela” sobre este universo rico de histórias. Disponível tanto para a atual como para a antiga geração de consoles (e também para PC), tive o prazer de jogá-lo em sua excelência em um Xbox Series X. Após uma jornada com mais de 50 horas, te conto aqui minha experiência imersiva com Immortals Fenyx Rising. As imagens abaixo foram todas tiradas por mim, no modo foto do game, sem edições.
História e cenário
Na pele da semideusa Fenyx (também pode ser homem, à sua escolha) você deve salvar o lar dos deuses dos ataques de Tifão, que ameaça a ilha com uma maldição mortal. Por isso, você tem a tarefa de enfrentar monstros lendários da mitologia grega, enquanto vê sua própria história ser contada do ponto de vista de Zeus, recheada de trocadilhos e piadas sem-vergonha – mas não menos engraçadas. As paisagens coloridas tomam conta do mapa, que é uma ilha dividida em 7 regiões, onde temos uma divisão sugestiva ao seu progresso. Há uma região inicial, uma que claramente será palco do conflito final, outra aparentemente inacessível e 4 destas designadas para cada deus: Hefesto, Afrodite, Atena e Ares. Estas quatro áreas, que compõem o “miolo” da história, podem ser completadas na sequência que você quiser. A partir daí entendemos um pouco do ritmo do jogo, que torna-se um ponto forte de Immortals Fenyx Rising como um todo. Após a segunda seção do mapa, você compreende a sua rotina: vá até a nova região, conheça o deus que você precisa ajudar e faça as missões. Mesmo que cada área tome pouco tempo, a sua surpresa com novos puzzles e cenários é recompensadora – ainda que, à primeira vista, você passe apenas algumas horas explorando cada terreno. Curioso que, com o raso tempo dedicado a cada seção, o resultado é uma jogatina dinâmica, ao invés de repetitiva. O principal ponto positivo de Immortals Fenyx Rising, em termos de história, é que não fica nem um pouco difícil de perceber o seu progresso rumo à conclusão da jornada. As áreas contam com missões bem diretas e os deuses te presenteiam com 3 upgrades passivas cada (que o jogo chama de Bênçãos). Logo, basta uma rápida consulta no menu para entender quão longe você já foi. Por isso, esta divisão em “quatro atos” funciona muito bem. Ao invés de uma vastidão de missões secundárias à la Assassin’s Creed, em Immortals Fenyx Rising temos minigames diversos além da história. Em troca de completá-los, você recebe itens diversos, como cosméticos ou moedas para fazer upgrades, coisa que explicaremos melhor abaixo. O mais interessante, que merece todo o destaque, é o da lira (aquele instrumento musical grego, de cordas). Para resolver todos os desafios e encontrar recompensas você deve tocar uma lira gigante, baseado em notas musicais que encontrar pelo mundo em uma sequência específica – como o Genius, aquele famoso brinquedo infantil. A estrutura e o mapa cheio de colinas e cavernas foi muito bem desenhado, com construções e o complemento de fauna e flora sendo uma representação palpável de cada deus. Logo após o prólogo, temos acesso ao Salão dos Deuses, sua base para criação de upgrades de equipamento, habilidades e também de visual. Aqui temos um resquícios de elementos de RPG trazidos de Assassin’s Creed Odyssey, jogo criado pelo mesmo estúdio, onde um brainstorming resultou na criação de Immortals Fenyx Rising. A mitologia grega acaba sendo o principal ponto em comum entre ambos. Porém, para estender a gameplay de Immortals, há ainda as Câmaras de Tártaro com vários desafios. Elas são nada menos que portais para outra dimensão, com um prêmio ao final de cada trajeto que ajudam a progredir na narrativa. Com isso você ajuda a salvar os deuses da maldição cômica que enfraqueceu-os e alterou a forma física de cada – Ares virou um galo e Atena uma criança, por exemplo. São dezenas de Câmaras espalhadas pela ilha e isso centraliza sua jogabilidade. Logo, isso merece uma explicação própria.
Jogabilidade
Desafios
Não há como negar que Immortals Fenyx Rising foi construído com base em desafios, então nada melhor que começar falando sobre eles. Dentre jogos repletos de puzzles que joguei recentemente, Immortals estaria em uma escala entre Spider-Man Miles Morales (desafios leves) e The Witness (sendo este último o mais difícil, de você precisar pensar fora da caixa). Em nenhum momento ele apresenta tutoriais extensos, deixando tudo para a intuição do jogador, gradativamente subindo a complexidade dos desafios em uma sutileza confortável. A lógica dos novos tipos de puzzle nunca é entregada de bandeja; pelo contrário, há a sensação de liberdade para fazer o teste que você quiser, seja manipulando cubos ou pedras, voando na direção do fluxo de ar, atirando flechas ou saltando entre plataformas. Quem já jogou The Legend of Zelda: Breath of the Wild e os God of War clássicos se sentirá em casa, pois todo tipo de desafio tem um quê familiar em termos de mecânica. Por sinal, ao falar sobre mitologia grega e puzzles, a primeira coisa que vem à mente de gamers dos anos 2000 provavelmente é o primeiro God of War. Digamos que GoW tinha desafios mais surreais e confusos do que Immortals. Além disso, aqui você pode só chegar e tentar resolver algo – no mundo principal, sem contar as missões de história. Se não conseguir e desistir, basta ir para outro. Você não é obrigado a passar duas vezes pelo mesmo lugar e questionar se deve ou não tentar abrir tal passagem, pois você geralmente conseguirá sem problemas. Uma lógica intuitiva e “livre” assim não acontece em um game 100% baseado em história como GoW, onde quem não sabe o que fazer ficava com o progresso travado, ou optava por procurar tutoriais em revistas gamers – e na internet, nos tempos de hoje. Nessa relação, Immortals Fenyx Rising com certeza se aproxima mais de Breath of the Wild, comparação inevitável entre quem jogou ambos, não só pelo estilo artístico. Eventualmente você dá de cara com camadas de desafios mistos, onde deve-se aplicar a lógica aprendida em múltiplos para resolver um maior. Quando você precisar desbloquear um item especial, por exemplo, você busca por uma peça, que está atrás de uma porta; para abri-la você precisa derrotar inimigos e pegar uma chave; a chave só é alcançável se você fizer um desafio de arco e flecha, e assim por diante. Todos os puzzles brincam com leis da física e poucas vezes são relacionados a limite de tempo. Por causa disso, a paciência é um dos pilares para compreender o ritmo de Immortals Fenyx Rising. Uma pena que às vezes a física dos objetos resolve não funcionar, com ajustes finos vez ou outra, mas tudo é contornável. Rumo aos 100% do jogo, nunca falhei nenhum objetivo por falha da engine. Ironicamente, algumas tentativas “forçadas” (ou por pura tentativa e erro) algumas vezes dão certo, adiantando o progresso. A situação mais frustrante não é a tentativa de resolver desafios que você sabe como concluir (e só falta o “jeitinho”), mas o fato de a recompensa muitas vezes ser algo mínimo, como pouquíssimas moedas. Neste caso, falamos sobre os puzzles opcionais à história. Por consequência, somente se você somar as moedas ao completar vários desafios você terá uma recompensa de verdade. Os que buscarem “zerar” o jogo vão se divertir.
Movimentação e exploração
Aqui dedico o review a dois pontos delicados de Immortals Fenyx Rising: animações, movimentação do personagem como um todo e também a sua exploração pelo mapa, sobre o quão intuitivo e prático é se locomover de uma ponta até a outra. A começar pelo primeiro, temos a barra de stamina (vigor), um óbvio limitador que guia seu controle de Fenyx. Infelizmente, o que deveria ser seu foco muitas vezes pode irritar e exigir paciência, pois só com dois ou três upgrades você terá uma barra de vigor grande o suficiente para dar conta dos ritmos de esquiva, corrida e voo. Sendo que ela comanda toda a movimentação, você só precisa de um “jeitinho” até acostumar nas primeiras horas de jogo – supondo que você parta de um jogo mais arcade, similar em terceira pessoa. Essa mecânica de escalar superfícies ditada pela stamina também se assemelha aos últimos Zelda. A ilha é composta uniformemente por terra, mas vez ou outra você precisa ir à água. Nadar é a ação mais entediante do jogo e, muitas vezes, não é opcional (você deve passar pela água para completar certos objetivos). Lembrando que ela também depende de vigor, você se pega tentando evitar entrar em contato com a água o máximo que conseguir. Como contraponto, o voo de Fenyx traz uma jogabilidade ótima, com opção de fazer uma melhoria de impulso para tornar tudo mais confortável e intuitivo. Se partir do topo de uma estátua gigante, você plana por um bom tempo até o vigor se esgotar – e, de quebra, ainda aproveita as paisagens da ilha. Nas áreas onde o Immortals vira quase um game do gênero plataforma, pude descobrir que saltar enquanto você corre resulta no pulo duplo. Por todos os movimentos consumirem vigor, o salto duplo acidental pode resultar em um “voo falso” em direção ao chão. Nas Câmaras ou em pontos altos da ilha, isso é uma quebra de gameplay terrível, que você só aprende na prática. Em geral, as animações e movimentação são complementares às ações, mas tratando de um jogo de mundo aberto onde um dos principais carros-chefe é exploração, admito que poderia ser um pouco mais refinada. Um contraste a isso fica por conta da exploração da ilha, com acesso fácil ao mapa e a opção de colocar múltiplos pontos marcados para você se guiar. Dado que você tem uma liberdade sem igual para cumprir tarefas a hora que quiser, na ordem e região que preferir, sua locomoção torna-se um pilar da jogatina de Immortals Fenyx Rising. Uma facilidade é ter a opção de viagem rápida (fast travel) para Câmaras e outros marcos a qualquer hora. Você também pode domar montarias, uma opção que descobri “tarde demais” já com 20 horas de jogo. A interação com um dos animais encontrados pela ilha resulta em você poder chamá-los quando quiser, para encurtar o tempo de viagem entre dois pontos. Mesmo assim, Immortals Fenyx Rising incentiva exploração de outra forma. Diferente de Assassin’s Creed, aqui você precisa subir em um ponto alto para “espiar” com binóculos a paisagem, identificando e marcando manualmente pontos de interesse no mapa – um desafio por si só para impacientes de plantão.
Combate
Outro ponto importantíssimo (e muito debatido desde o lançamento) de Immortals Fenyx Rising é o combate. No ataque há poderes divinos diversos para escolher e na defesa há apenas as opções de esquiva e de parear um golpe. Em geral, a gameplay lembra muito os Assassin’s Creed modernos com uma similaridade às divertidas franquias hack and slash dos anos 2000, como Devil May Cry. Quando você pega o jeito, é espetacular e prazeroso. Há limitação a 3 tipos de armas e ataques: forte (machado), fraco (espada) e o arco e flecha à distância. O bom de o upgrade de armas servir para a categoria, não só para um item em específico, é que ele te despreocupa em escolher uma única arma para carregar consigo ao longo do game. Também há upgrade de poções, capacidade de flechas e de sua armadura. Por ter auxílio dos deuses (as bênçãos passivas que citei anteriormente), temos uma dinamicidade singular. Após desbloquear uma das habilidades, o tempo fica mais lento quando você esquiva logo antes do inimigo acertar o golpe. Com o timing certo, neste intervalo você pode atacar quem quiser, não somente o que tentou te acertar. Outros poderes são obtidos com os modificadores para ataque (canto direito da tela), bem como itens consumíveis para recuperar vigor e vida. Lidando com múltiplos inimigos, a poluição visual colorida às vezes te impede de prever certos ataques, o que dificulta muito em grandes combates de campo aberto. Parear ou esquivar precisa ser muito preciso, mas a dificuldade do game no geral não é alta – mesmo para jogadores casuais. Os upgrades por coletar vários itens simultaneamente (apertando só um botão), dar mais dano, múltiplas esquivas e nadar mais rápido são a essência de RPGs do tipo. O seu ritmo de jogo é facilitado. Agora, upgrade de pular e esquivar (no ar) deveria ser uma mecânica do jogo em si, não algo que você demore a desbloquear. Só fui descobrir o upgrade depois de lutar com alguns chefões onde essa habilidade facilitaria muito as coisas, por ser algo intuitivo – e obrigatório, na minha jogatina. Nas lutas com chefões, a esquiva de câmera lenta te salva muitas vezes e é uma técnica que você pode abusar. A depender do timing do inimigo, basta atacar 3x, esquivar, esperar o golpe dele para esquivar, atacar mais 3x e repetir. Algumas vezes, porém, isso vira um elemento obrigatório. Com inimigos voadores, por exemplo, que voam em rasante e você deve esquivar no momento certo para “congelar” o tempo e atacar próximo ao solo. Em certo momento, eu estava na área de luta com um chefão em campo aberto (dentro dos limites, cerca de 7 passos de distância da delimitação) e houve o aviso de “reset iminente”. Ou seja, o boss voltaria à barra de vida cheia. Por ser atacado sucessivamente, não pude sair do ponto específico no estado de reset. Dito e feito: chefão voltou à vida cheia, mesmo em 3 minutos de luta. Erros assim podem ser consertados com atualizações futuras. Um outro ponto fraco é que fica impossível de cancelar combos de pulo enquanto no ar, o que é crítico para todo tipo de combate (animais, monstros, minions fracos em massa e chefões). Isso é consertado com uma skill, mas até você adquiri-la já se passam horas de jogo. Exceto por isso, a jogabilidade no combate é muito boa.
Aprendizado e imersão na mitologia
A atmosfera cômica de Immortals Fenyx Rising foi capaz de atrair jovens e adultos com bom senso de humor. Por sorte, ambos os perfis gamers podem aprender muito sobre mitologia. Diferente de Assassin’s Creed, onde temos locais reais e fatos históricos precisos (e verdadeiros), a história de Immortals fica somente no campo da fantasia. Mesmo que Zeus conte muitas piadas e faça comentários pontuais ao longo do jogo, há muito a se aprender sobre a personalidade dos deuses. Com a jornada de Fenyx em si (não vou dar spoiler!) também entendemos muito sobre o universo mitológico. Recompensas, armas e objetos possuem uma leitura quase poética das lendas e origens de heróis gregos. Contos originais gregos costumam falar, por exemplo, sobre Gaia ter arrancado parte de seu próprio corpo (para criação do ferro) e ela ser “fértil com seios fartos”, mas em Immortals temos um óbvio filtro para a violência e sexualização de entidades. Deuses ainda são representados com fidelidade e fica nítido que todo tipo de brincadeira é feita de bom coração, sem faltar respeito. Em termos visuais, Immortals Fenyx Rising está espetacular. Um comparativo bem simples pode ser feito com filmes da Disney/Pixar, por exemplo, onde os desenhos cartunescos ainda mantém a essência clássica, só que levam consigo iluminação, reflexos, sombras e texturas realistas. Ainda mais na nova geração, a performance gráfica do jogo não peca. Contudo, as animações faciais deixam muito a desejar. Mesmo com ótima atuação e excelente escrita de diálogos, as expressões lembram muito jogos de três gerações atrás (os consoles dos anos 2000, como PlayStation 2 e Xbox). Em um título onde contar uma história é uma das coisas mais importantes, a cautela deveria ser maior.
Performance de Immortals Fenyx Rising na nova geração
Immortals Fenyx Rising, assim como AC Valhalla, conta com atualização gratuita para performar bem na nova geração de consoles. Como dito na introdução deste review, pude jogá-lo no Xbox Series X em 4K à 60 frames por segundo, sendo esta a melhor forma de se aventurar com o game. Uma enorme diferença se comparado à versão de Xbox One, por exemplo, é o tempo de carregamento, seja em viagem rápida ou na inicialização do jogo. Consegui uma média de 8 segundos em telas de loading ao longo de toda a jogatina. A curto prazo, parece que o tempo “economizado” foi pouco, porém posso garantir que após 50 horas de história você termina com um saldo de dezenas de minutos a seu favor. Abaixo, confira o trailer apresentando os destaques: Seguindo a tradição de jogos para ambas as gerações, você pode optar pelo modo de priorizar performance ou qualidade gráfica. Então aos que tiverem videogames potentes cujas funções estejam habilitadas, essa alternativa agrada bastante. Entre as dezenas de horas em Immortals Fenyx Rising, não tive queda de desempenho. O único problema foi o jogo fechar inesperadamente vez ou outra ao fazer upgrades no Salão dos Deuses, problema de otimização que foi consertado posteriormente – e até o momento da publicação deste review, não aconteceu mais, nesta mesma ocasião. Texturas e iluminação ficam ainda melhores com HDR ativado, completando bem o visual colorido do game.
Conclusão
Immortals Fenyx Rising é um título independente de franquias e, mesmo assim, conquistou o coração de muitos – até dos donos de consoles da última geração. Em tempos onde retrocompatibilidade, sequências e o fator nostalgia tomam conta do mercado gamer, fico contente em admitir que me surpreendi de forma positiva com o jogo. A estética que para muitos pode lembrar Fortnite na verdade tem um charme original. Cores tem um propósito ao representar seções diferentes da ilha, construções possuem superfícies realistas e os personagens realmente parecem ter vida. A leve falta de atenção em certos aspectos não traz um jogo 100% polido, mas os controles um ritmo familiar a quem curte games clássicos do gênero (títulos recentes de RPG e alguns hack and slash dos anos 2000) consegue neutralizar os deslizes. Enquanto jogo, Immortals Fenyx Rising entrega o que promete; enquanto material para estudo de mitologia grega, você tem um repertório um pouco melhor de histórias clássicas; e enquanto conteúdo de entretenimento, temos as piadas divertidas que te pegam de maneira inesperada – e podem até tirar um sorriso.